terça-feira, 20 de outubro de 2009

Pain I

A vida cansada suspira e roga e lança sem ânimo pragas ao fim de um dia...
Acordo com um ferro no coração. Qualquer movimento pode reabrir a ferida. O melhor é ficar quieta. Nada mexe e eu não me mexo.
Fecho-me no quarto com certeza de que isto como o resto, há-de passar. Isto é a dor do ferro, o cansaço que me enevoa os olhos, a falta que em tudo habita, irreversível.
A angústia atingia-me em ondas e, no intervalo, largava-me numa paz logo desfeita para depois recomeçar mais poderosa.
No meu quarto não se ouve o eco da minha dor.
Contei a minha ferida, mostrei a cor do meu sangue. De qualquer modo eu não conseguia dormir.
Fui esmagada no nítido contaste entre o que passa e o que fica, o que tem de ficar.
Fui forçada ao tempo. Rápido como a luz e imóvel como a pedra, a pedra imóvel contra o tempo. Gritei e fiquei surda ao ouvir como as palavras chamam pelas coisas, as dominam por momentos.
Percebi por fim o que já sabia....
No fundo somos todos iguais.
Todos nós sabemos o que é ter medo, todos nós temos ambições e sofremos desilusões, todos vivemos de preocupações que se vão sucedendo, todos sabemos que a vida não se repete, e que para todos, mais tarde ou mais cedo, aquilo a que nós chamamos vida sem saber bem o que dizemos, vai acabar.
E eu sempre absolutamente triste, inconsolavelmente melancólica, á beira das lágrimas, a ver-te sempre que fechava os olhos, irremediavelmente apaixonada por ti, de quem fugia inutilmente, a quem levo comigo sem querer, porque tu fazes parte do meu corpo.
Sofro tantos como os outros apesar de estar convencida que sofro mais. Cobre-me uma escuridão. Amo alguém que não me quer. Julgo que não vou aguentar e aguento.
E de repente, sinto de novo as garras que me torturam cá dentro afastando para longe qualquer prenúncio de alegria.
A dor afasta a dor, eu aprendi.
Eu vou aguentar. Os dias vão passar. Um a um. Tudo se há-de resolver. O ponto em que a morte parecia ter mais sentido do que a vida já passou. Tudo se há-de resolver. Nem que seja á custa da traição e da mentira. Sim, sobretudo isso. Sim, o que será de uma mentira se todos souberem que é mentira. Para aquecer o coração, mais não.
Há quem diga que mais vale só que mal acompanhada. Talvez não concorde. O pior é a solidão e o tédio.
Não sei o que vai acontecer. Por vezes penso que é bom poder voltar mais uma vez à superfície desta terra e adormeço tão suavemente que nem me dou conta que todos partiram...
Carne sobre carne, o peso. Na imaginação tudo corre lentamente. Uma coisa depois outra, nesta ordem e naquela. Quando já não se aguenta, não se consegue, há um alívio breve e é preciso sorrir ligeiramente porque o tempo perdeu a importância. A noite é tão antiga e nunca acaba...
Quem gosta sem razão deixa de gostar pelo mesmo motivo e pode confiar-se em tudo, salvo nos amores. Uma surpresa inesgotável do que não temos nunca, do que não é nosso, está à nossa frente ao alcance das mãos e depois foge e escapa.
Tudo antes da morte ter começado o seu trabalho, se ter apoderado de uma parte de mim e nunca mais me ter largado num combate em que não há vencedores porque ambas as partes estão interessadas em continuar o jogo em que são viciadas.
O choro, a raiva, o pavor fazem estalar a minha cabeça, a traição enlouquece-me durante horas. A única maneira de sobreviver é fazer promessas, imaginar combinações, estabelecer contactos comigo mesma.
É a minha primeira vingança : morro de amor, mas o amor morrerá comigo.
E volto a chorar como no primeiro dia, mas menos tempo.
Tenho uma maré de lágrimas a chegar-me aos olhos que depois recua. Faço muita força com as pálpebras fechadas. Julgam que dormi, calo-me, minto, fujo para longe, para que não me vejam tremer de terror, por causa das pessoas que matei dentro de mim.
Debaixo do céu, uma irremediável tristeza.
Eu pensava naquela tristeza toda, naquela saudade toda, e não parava de chorar.
Pensei que a dor me ia deixar, esta terrível dor que se abriga no meu peito como se não encontrasse outro refúgio.
Foi uma ilusão. Que o que me mostrou de mim fique para sempre enterrado, que nada volte á luz dos dias.
Eu sei que ninguém compreende, mas é o que sinto, que não há maneira de saber ao certo se estou no principio ou no fim, que embora diametralmente opostos se equivalem, que constantemente trocamos vida pela morte e morte pela vida e assim prosseguimos confundidos, que qualquer estado de espírito se mostra insustentável mais do que quinze minutos e passamos a outro.
São coisas que mostram a constância da alma.
Como é natural todo o amor encobre um ódio e se alguma vez fui diferente esse ser diferente esbateu-se com o tempo e não há nada no que sou que possa trair o que fui no passado.
Já andei meses de cabeça perdida. Já houve um tempo em que me feria fundo a beleza de um corpo. Passei muitas noites sem querer dormir, e muitos dias sem querer ver o que se passava à minha frente. Traí e fui traída. Conheci situações adversas mais vezes do que o bom sucesso. Desejei viver e morrer com intensidades tamanhas que certamente por isso se anularam. Conheci o entusiasmos que abate as paredes e o desespero que tudo afoga no escuro. Tudo isso acabou. Tudo isso foi há muito tempo, numa outra espécie de vida. Hoje estou morta. Ninguém espera de mim o que quer que seja, nem saberia encontrar o lugar onde estou.
E eu não tenho outra ambição que não seja a de prolongar por algum tempo esta situação privilegiada em que se espreita o rio da vida com interesse e lucidez acrescidos porque já não se é parte interessada.
Não sei se todos os sentimentos são recíprocos mas gostava de acreditar que sim. Poupavam-se muitos e grande desentendimentos.
Sorvo um cigarro com grandes tragos, e pouco a pouco entro numa espécie de meditação em que tudo o que parece real por fora se esvazia para deixar tornar presente, tão presente que uma angústia toma conta de mim.
É uma necessidade constante travar a vida que se encaminha para a morte.
A bebida e o fumo, em correntes arrastada. Ainda me dói a tua presença dentro de mim...
Sou livre de partir e talvez nunca seja cedo. Esta suspeita toma conta de mim, desanima-me, não me deixa descansar. Não quer que nada seja assim e tudo ser de outra maneira. E depois desisto. É assim, não podia ser de outra maneira.
A verdade é sempre outra no avesso das coisas e trago comigo mais do que uma alma ferida precisada de urgentes cuidados. Houve um tempo em que quis regressar, uma memória, uma saudade que agora é calafrio. Estou nisto há meses, anos, séculos.
Ainda dói no mesmo sítio e nada é por acaso. Não vale a pena continuar em frente, nem sequer para o lado se já não tenho por quem.
Se tivesse coragem atravessava o oceano para sempre, virava costas a este corpo que é cinza, fugia desta língua atroz que me vicia. Mas assim não. Sou perita em perguntas sem resposta e entretenho-me com coisas inúteis.
É tão certo o desfecho da batalha que só pode ser outro o engano.
Preciso muito de tristeza, é bem verdade, uma maneira de descansar os olhos das coisas que insistem em mostrar-se e não merecem nada. Resistir é tão difícil, desgasta. Mas ainda falta.

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